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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

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Congelar a maternidade para "depois"

Avatar do autor , 18.10.14


Já sabemos que o adiar da maternidade é um problema da sociedade moderna. 
A entrada no mercado de trabalho, a subida na carreira, as condições de vida, tudo isto tem influenciado as mulheres relativamente ao timming em que decidem ser mães. 
Cada vez mais escolhemos ter filhos mais tarde, e de facto, a carreira é um dos principais factores que nos influencia nesta escolha.
Gostávamos que as coisas fossem diferentes - pelo menos em Portugal. 
Apesar de tudo o que se diz em prol da maternidade, e do incentivo à natalidade, sabemos que anunciar uma gravidez no local de trabalho equivale a um sismo de 6,9 na escala de Richter. Que a trabalhadora grávida vai ter de faltar para ser acompanhada nas consultas e fazer exames. Que vai ter de tirar licença nos primeiros meses do bebé  e amamentar. Que vai faltar quando os filhos estão doentes.  
Por isso, desde o aparecimento daqueles 2 tracinhos no teste de gravidez, que a alegria de sermos mães se mistura com a hipótese muito provável de sermos aquela a quem não renovam o contrato. Ou que não é escolhida para aquele cargo de chefia com responsabilidade, porque acham que não vamos conseguir dar conta da família e da responsabilidade laboral. 
E sabemos que diariamente há uma pressão extrema de produtividade, quase bullying laboral, com exigência para fazermos horas extraordinárias para as quais poderíamos dizer não, mas que aceitamos fazer com receio de ficar desempregadas. E se explicamos que temos filhos a nosso cuidado e não conseguimos fazer aquele trabalho extra que nos propõem, somos ameaçadas com um "Olhe que não estamos interessados em fazer contrato com quem não tem disponibilidade total". Sim, isto tudo acontece. Em todas as profissões, incluindo a minha.

E nesta sociedade em que o interesse máximo vai para a produção, e os resultados (trabalho, trabalho, trabalho é o lema), eis que surgem agora empresas que oferecem às funcionárias um novo serviço para terem disponibilidade total: congelação de óvulos (podem ler aqui e aqui). A Apple e o Facebook vão ser das primeiras a garantir às funcionárias a congelação de óvulos, que custa perto de 7900 euros, mais cerca de 395 euros mensais para manter os óvulos congelados. Ou seja, estamos a promover o atrasar da maternidade para "depois", porque o "agora" é de produtividade. Na nossa sociedade não interessa promover a família, termos famílias grandes ou estarmos tempo juntos. O que interessa é produzir. E consumir.

Muita gente pode achar esta medida excelente. 
A mim leva-me para o "Admirável Mundo Novo" do Huxley, onde toda uma sociedade é criada em laboratório. E assusta-me. 
Um processo de congelação de ovócitos e processo de fertilização in vitro não são exactamente um passeio no parque (há riscos no processo, que é complicado), e devem ser feita nas situações em que é mesmo preciso, mas e nas outras? E o amor e as outras emoções? Então e queremos ser pais na altura em que devíamos ser avós? E são as entidades patronais que decidem as nossas vidas? E quando é que vai ser o timming ideal?
Parece-me tudo muito estranho. Muito artificial.

E gostava de um mundo onde se incentivassem as mulheres a ter filhos na altura em que biologicamente sentem que querem ser mães, que houvesse horários flexíveis, possibilidade de part-time nos primeiros anos dos filhos (em que é necessário um maior apoio e disponibilidade), entidades patronais compreensivas. Locais de trabalho com creche para os filhos ficarem, que estivessem abertos 24 horas se necessário (porque há casos em que fazemos turnos de 24 horas e se não tivermos ninguém com quem deixar os filhos, onde ficam?).

Não, não fico imensamente feliz e esperançada por haver empresas a pagar congelação de óvulos às suas funcionárias. Fico com a sensação que este "congelar para depois" nos vai custar muito caro - num futuro próximo. E que agora, o que precisamos é de bebés. De crianças para construir novas mentalidades. E de famílias unidas e que tenham tempo para conversa e passar tempo juntas.




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